domingo, 28 de setembro de 2008

Uma obra premiada e publicada


O Calçadão do Mercado Velho, foi palco na tarde de sábado 27, de solenidade oficial da entrega dos premios para os trabalhos premiados e classificados, que concorrerem ao 1º Prêmio de Literatura da Fundação Garibaldi Brasil.


Este blogueiro estava concorrendo e foi classificado com um ralato contando a história do meu pai. Ele aportou no Acre em 1944 como Soldado da Borracha. Está a disposiçao dos leitores nas páginas 144 a 147 do livro NOVA LITERATURA ACREANA e agora aqui no blog. Não havia publicado antes porque para concorrer ao prêmio tinha necessáriamente que ser uma obra inédita. Ei-la:






O EX “SOLDADO DA BORRACHA” EMPLACOU 83 ANOS

Dono de uma rica história de vida, Raul ficou perdido no tempo em que correspondência, era uma carta escrita “de próprio punho”. E é assim que ainda hoje se comunica com um filho que mora no Acre.

A memória o mantém lúcido para direcionar o raciocínio ao tema pretendido. As mãos no entanto, transformam em “garranchos” tão sábias pálavras. Algumas tornam-se incompreensivas mas ao final, tudo fica esclarecido.
Ele ainda pede descupas pelas maus traçadas linhas. Tal pedido nem é levado em conta, se não consegue colocar no papel o pensamento que sai do cérebro e a emoção que lhe vem do coração.

Ao longo da jornada deste cearence “nato”, existem fases de anonimato. Lampejo de remotas lembranças como filho de lavradores nordestinos, insistentes e persistentes em arrancar do solo o alimento que o sol causticantes não permitia. Tempos difíceis! Relembra.

Noutras épocas, lembra com extrema lucidez as múltiplas fases de sua vida. Narra como se tudo estivesse gravado em vídeo-tape e pudesse ser exibido quantas vezes necessárias, agora em forma de “causos”, para satisfazer a curiosidade dos netos.

Assim, Raul nos conta que: Em 1942 instigados pela Alemanha nazista de Hitller, eclode a Segunda Grande Guerra Mundial.

Foram tantos os navios mercantes brasileiros torpedeados por submarinos americanos - disfarçados de japoneses – para fazer o Brasil de Getúlio Vargas sair do muro, que não restou a nossa Pátria, outra alternativa que não fosse se envolver em uma guerra que não era nossa.

Eu, aqui extremo norte do Brasi, na fronteira com a Bolívia, me sinto de certa forma, filho desta guerra.

Na versão de seu “Raul”, coube ao Brasil como aliado dos Estados Unidos, fornecer a borracha para fabricaçao de pneus e suprir as necessidades da guerra..
A China, no continente asiático, antes aliada dos americanos como sua principal fornecedora de pneus, também estava em guerra, mas ao lado do inimigo.

Em nosso País, sobrava na região Amazônica, as árvores que delas se extraíam o látex para a fabricação da borracha. Nos faltava porém, a mão de obra para a produção em escala industrial.
Assim, se arregimentaram jovens das regiões mais pobres do Pais. O Nordeste era castigado pela seca e sua população subjugada as maiores necessidades. Não havia campo de trabalhao para tantos desempregados.

Para milhares de jovens, conhecer à Amazônia, cortar seringa a pedido do Governo do seu País. Usar farda do Exército, receber o título de “Soldado da Borracha” e ainda ganhar dinheiro, era mais que um sonho. A convocação para a guerra era, para muitos, uma “festa”!
A história conta que milhares de jovens se alistavam expontâneamente. E em meio a esse cenário de excluídos, o jovem “Raul” desembarcou de um navio gaiola a vapor nos barrancos do Rio Acre, nos idos de 1944. Não conseguia disfarçar à ansiedade, a curiosidade e... o medo.

No Acre, a desorganização era geral...! Não haviam lugares suficientes para “alojar” tanta gente até que as “estradas de seringas” onde iam trabalhar nos seringais distantes da cidade, ficassem prontas.

Diariamente dezenas de “soldados” eram levados para o interior de uma selva inóspita, cheia de bichos, índios, doenças e... mistérios.

No interior da floresta, os jovens “arigós” (nome dado pelos nativos aos recém chegados cearenses) perdiam referências com as famílias e os amigos.

Na cidade, a cada retorno dos batelões que os haviam levados aos seringais, quem ficara na cidade corria ao porto em busca de informação dos amigos que tinham partido.
As notícias porém, eram sempre catastróficas.
“O índio matou... A onça comeu.... ou morrido de “impaludismo”.

Enquanto isso na cidade onde ficou aguardando sua colocação, com centenas de outros “soldados”, Raul fazia “bicos” trabalhando em um aviário de propriedade do Governo do Território Federal do Acre, localizado a época, nas imediações do antigo Detran e atual séde do Incra, no bairro Aviário.
O trabalho era praticamente voluntário. Lhe garantia apenas às necessecidades básicas, como a comida e pernoite.

“Rual” usava a mesma farda que destribuíram aos jovens recrutas e no bolso esquerdo da túnica, em cor de “Caqui”, ás iniciais R.N.S. Naturais do seu nome próprio: Raimundo Nonato de Souza.

Uma mentira que lhe salvou a vida

Meses depois de espera foi informado que iria entrar para o “centro”. Para ele havia chegado o grande dia. Saberia finalmente o nome do seringal e a colocação onde iria trabalhar no corte da seringa.
“Raul” me confessou que jamais havia visto uma seringuerira em sua vida e não tinha noções de como usar uma faca torta chamada de “faca de seringa”.
Todos os conhecidos e companheiros de viajem do Ceará ao Acre que tinham se “embrenhado” na mata, haviam morrido. Pelo menos, era a notícia que ele tinha.

Enfileirados em frente ao Palácio Rio Branco, os jovens “Soldados da Borracha” respondiam presente e formavam outra fila ao lado, a cada identificação de chamada.

O jovem e esperto “Raul”, colocara o cérebro a trabalhar em alta rotação em busca de uma saída para se livrar de tão terrível destino.
Avaliava suas possibilidades de sobreviver ao impaludismo, ao ataque das onças e as flexas dos indios.

Não tinha a menor vocação para ser seringueiro nem se imaginava saindo às escuras mata a dentro, em plena madrugada, para riscar árvores e lhes arracar o leite.

Esses turbilhões de incertezas e medo lhe inundavam o cérebro. O jovem arigó tinha convicções convicção que suas chances de sobrevivência como seringueiro eram nulas.

Se não encontrasse uma saída, também iria morrer. Meio que petrificado, sentiu seu corpo estremecer como se atingindo por uma descarga eletrica.

Alguém o chamava pelo nome.

- Raimundo Nonato de Souza!

Sua primeira reação foi ficar “mudo”. E assim permaneceu até o fim da chamada e só ele restasse da imensa fila. Não havia mais ninguém para ser chamado naquele dia.. Isso intrigou o oficial que recrutava os novos soldados para os seringais.

O superior se aproximou e olhou firmemente nos olhos daquele jovem que lhe parecia assustado. Conferiu as iniciais em sua túnica. R.N.S. e perguntou:

- Você não é o Raimundo Nonato de Souza? Porque não respondeu a chamada?

- E ele: Meu nome é Raul, senhor... Raul Nonato de Souza.

Não havia nenhuma colocação em nome de Raul. Ele foi dispensado. Em 1982, há exatos 25 anos, conheci seu “Raul”, no muncípio de Pacajus (CE) distante 92 km da cidade de Fortaleza, onde reside até hoje.
Na epoca, eu tinha 28 anos e acabara de fazer uma longa viajem desde o Estado do Acre, apenas para conhecê-lo e ouvir sua história. Morria de curiosidade para saber como um Raimundo, (assim como eu) havia chegado a velhice sendo conhecido por “Raul”.

É que a mulher com quem ele casou-se no Acre, (Maria Ceci de Souza) e mãe dos seus dois primeiros filhos, jurava não saber do “apelido”. Ela contava aos filhos que havia namorado e casado com o “Raul” e só soube que seu legítimo nome era Raimundo, na igreja.

Pode nos parecer estranho mas a ela, isso não tinha a menor importância. Era apenas um detalhe insignificante para uma jovem apaixona que só queria casar e ser feliz.

Há 25 anos, sentados lado a lado em um banco ao redor uma mesa de madeira toscas embaixo de um frondoso cajueiro, a verdade finalmente foi dita. Seu “Raul” revelou-me o “grande segredo”.

- “Eu disse que meu nome era Raul, porque tive medo de ir para o seringal. Só ouvia falar na morte dos meus amigos e conhecidos que se foram para o interior da mata. Eu tinha certeza que se eu fosse, também morreria... E concluiu: “Hoje tenho convicção que foi essa mentira que me salvou a vida. Por isso estou aqui lhe contando a história.
Não sou de mentir, mas dessa vez foi uma boa causa. Não foi não?

- Claro que sim! Respondi e lhe dei um forte abraço.

Essa primeira conversa entre eu e ele varou a madrugada. Tinhamos assuntos pendentes dos últimos 28 anos. Foi bom demais. Após isso, nos encontramos novamente, desta vez, no Acre em 1992. Mas isso é uma outra história.
Há!...quase esqueci de um detalhe importante. Seu “Raul” ou Raimundo Nonato de Souza, como queiram, é meu PAI. Isso explica porque meu nome é Raimundo Nonato de Souza Filho.
Na época em que nasci em 1954, não havia o “modismo” de se colocar o nome “Júnior” nos filhos. Como consolo, por não me chamar Junior, parte da minha família parterna me trata carinhosamente der “Raulzinho”. Para mim, isso é bom demais....

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